Manhiça: Terra de Tragédia, Terra de Esperança

No início do Séc. XXI tive a excelente oportunidade de visitar pela primeira vez a terra dos meus pais: Moçambique. Foi uma viagem emocionante e inesquecível, que ainda hoje me ensina alguma coisa todos os dias. O país africano era na altura um dos mais pobres do Mundo. E continua a ter graves problemas sociais, económicos e morais, entre os quais corrupção, crime e outras estirpes. Mas é também, como sempre foi, uma terra de boa gente, com Humanidade em cada esquina, belezas naturais estonteantes e, sobretudo, um exemplo de perseverança. Na altura, em 2002, trabalhava como jornalista e aproveitei, no âmbito da minha viagem de lazer à descoberta das origens, para fazer uma reportagem focada em Manhiça, uma localidade que foi devastada pelas cheias que assolaram Moçambique no ano 2000. Devido ao tamanho da reportagem optei por dividir em várias partes de modo a ser publicável e legível online no blog Mundo de Viagens.

Este é o primeiro de uma série de artigos dedicados a este grande país africano, que é demasiadas vezes sub-estimado. É um texto que, espero eu, servirá para partilhar com todos o que vi e senti, mas também almeja ser um relato histórico das relações entre Portugal, Moçambique, os Descobrimentos, ambos os povos e a Humanidade.

Os versos de Camões…

Em Setembro de 2000, Vila Nova de Gaia efectuou a sua primeira geminação desde que Luís Filipe Menezes, então no primeiro mandato, assumiu os destinos do concelho. A ligação com Manhiça, pequena cidade de , surgiu após as tumultuosas cheias que provocaram a desgraça na antiga colónia portuguesa, motivada pela natural solidariedade de quem tantas vezes viu um rio inundar as suas margens e descaracterizar a sua paisagem, de quem tantas vezes respondeu aos apelos aflitos de uma população que temia pelo Presente, tal era a destruição do Passado e a ameaça do Futuro.

Este é o relato de uma viagem, a reportagem sobre uma terra, uma visão sobre dois países que estão unidos há mais de quinhentos anos, através de laços tão fortes como a tragédia, o heroísmo, os céus e os mares, o Sol e a Lua, a língua e a cultura, a Vida e a Morte. Não é minha intenção oferecer um retrato fiel das relações entre Portugal e Moçambique, tal seria uma tarefa gigantesca perante os inúmeros nós que prendem uma Nação à outra, mas sim descrever o que vi, senti, cheirei e aprendi por terras africanas.

O pano de fundo, no entanto, é preenchido por Manhiça, representada pela voz de Agostinho Faquir, administrador do Distrito cuja capital tem o mesmo nome, com quem tive a oportunidade de falar durante a minha estadia, e por Laura Tamele, presidente do município local, que meses depois veio a Gaia para reforçar o acordo de cooperação com o executivo liderado por Luís Filipe Menezes.

Uma vasta recolha de dados permitiu-me também encontrar testemunhos que, por serem tão valiosos, ajudam a compreender a realidade de e de Manhiça e, por isso, não poderiam deixar de ilustrar este artigo e os próximos desta série.

Assim, com a devida vénia, começo por citar o glorioso e saudoso poeta, Luís Vaz de Camões, que imortalizou na obra-prima clássica o naufrágio de D. Manuel de Sousa de Sepúlveda, precisamente na zona da Manhiça, naquela que é uma das célebres tragédias marítimas de toda a História portuguesa.

“Outro também virá, de honrada fama,

Liberal, cavaleiro, enamorado,

E consigo trará a fermosa dama

Que Amor por grão mercê lhe terá dado.

Triste ventura e negro fado os chama

Neste terreno meu, que, duro e irado,

Os deixará dum cru naufrágio vivos,

Pera verem trabalhos excessivos.

Verão morrer com fome os filhos caros,

Em tanto amor gérados e nacidos;

Verão os Cafres, ásperos e avaros,

Tirar à linda dama seus vestidos;

Os cristalinos membros e perclaros

À calma, ao frio, ao ar verão despidos,

Despois de ter pisada, longamente,

Cos delicados pés a areia ardente.

E verão mais os olhos que escaparem

De tanto mal, de tanta desventura,

Os dous amantes míseros ficarem

Na férvida e implacabil espessura.

Ali, despois que as pedras abrandarem

Com lágrimas de dor, de mágoa pura,

Abraçados, as almas soltarão

Da fermosa e misérrima prisão.”

Por que razão escreveu Camões estes versos e qual o seu significado na história entre Portugal e Moçambique? Acompanhe os outros textos desta série para descobrir.

CONTINUAÇÃO DA REPORTAGEM NO PRÓXIMO ARTIGO:

A chegada dos portugueses à África Austral

 

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