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O dedo do Homem nas cheias de 2000 em Moçambique

O dedo do Homem nas cheias de 2000 em Moçambique

by Gonçalo Sousa

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Na ressaca dos acontecimentos catastróficos das cheias de 2000 em Moçambique, os cientistas e estudiosos apontaram como principal razão da calamidade o facto dos ciclones responsáveis pela desgraça, como acontece em tudo na Natureza, estarem fora do seu círculo normal por causa da intervenção contínua do Homem.

As cheias foram causadas por chuvas recorde, muito acima de todas registadas nos 50 anos anteriores, que, por sua vez, foram provocadas por um padrão climático sem precedentes, abrangendo 4 ciclones com força de furacão que seguiram um caminho não habitual. O padrão climático anormal parece estar ligado a quatro fenómenos: La Nina, um Oceano Índico mais quente do que o esperado, o aquecimento global e o pico dos ciclos naturais climáticos de 12 e 24 anos.

O investigador Kourosh Bamsi-Yazdi analisou a pluviosidade mensal de nos 50 anos anteriores a estes eventos e encontrou um ciclo forte de 24 anos e um ciclo fraco de 12 anos.

As análises das cheias na nos passados 80 anos mostram um padrão semelhante, com um ciclo forte de 10-12 anos, que corresponde directamente com os ciclos conhecidos de 10-12 anos de manchas solares, nomeadamente os picos de 1917, 1928, 1937, 1947, 1957, 1968, 1979, 1989 e 2000.

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Cheias de 2000: de que forma o Homem provocou a calamidade

A actividade solar e a radiação que chega à Terra não é constante mas cíclica e um aumento de manchas solares, tempestades ou clarões na superfície do Sol são indicações de actividade máxima. Estes fenómenos também seguem um padrão de 10-12 anos. Como acontece uma reversão do campo magnético do Sol em cada ciclo, ele leva dois ciclos para voltar ao ponto de partida.

Este duplo ciclo de 20-24 anos é conhecido pelo ciclo de Hale e muitas das piores cheias do sul de ocorreram sob a sua influência. O aumento das cheias graves nas décadas recentes está também ligado ao aquecimento global. Este pressupõe o aumento e a intensidade dos ciclones por duas vias.

Primeiro, o aquecimento global aumenta o tamanho da zona de formação de ciclones no Oceano Índico. Segundo, com temperaturas do ar mais elevadas, as tempestades podem conter maior quantidade de água.

 

Um olhar sobre o registo histórico das cheias de Moçambique revela cheias significativas nos finais do século XIX e princípios do século XX, incluindo as grandes cheias do rio Limpopo em 1893 e 1894, seguidas da cheia recorde de 1915. Durante mais de 50 anos não houve nenhuma grande cheia, excepto nos picos de Hale, ou seja, nos finais das décadas de 30 e 50.

No entanto, na última parte do século XX houve mais cheias e estas foram mais intensas. O professor sul-africano Mark Jury, da Universidade da Zululândia, sugeriu, num relatório de consultoria para um projecto de desenvolvimento perto de , que, com o aquecimento global, uma cheia como a de 2000 deve ocorrer uma vez em cada 50 anos.

A actividade humana tornou as cheias piores. A existência das barragens não minimizou os valores das medições e, provavelmente, piorou-as ao reduzir as pequenas cheias que limpam os leitos dos rios. O debate sobre a gestão das barragens parece estar para continuar mas há um consenso cada vez maior de que causam grandes mudanças ao ambiente nos rios, aumentando o impacto das inundações e a capacidade de reter as pequenas cheias.

O problema é que, como apontou Paul Roberts, director geral adjunto dos Recursos Hídricos da África do Sul, “o curso dos rios é condicionado pelos grandes eventos, como pequenas cheias em cada dez anos, só que temos a impressão que atenuar essas cheias reduzidas provocam outras muito piores.” As cheias pequenas normalmente arrastam os sedimentos e plantas que crescem nas margens. Sem as pequenas cheias regulares, os leitos dos rios ficam mais pequenos e as pessoas começam a construir cada vez mais próximo do rio.

Isto é ainda ampliado pelo menor caudal que corre nos rios, em consequência da retirada de água para irrigação, indústria e consumo humano. Assim, quando vem uma cheia realmente grande, há imenso espaço para a água, criando as imagens de rios enfurecidos, castanhos de lodo, invadindo cidades, derrubando pontes e carregando árvores enormes.

A mudança de padrões de uso da terra reduziu a capacidade de absorção a montante e bloqueou a libertação de água a jusante, como comprova o facto de as áreas de captação dos rios Incomáti e Limpopo, na , terem sido sujeitas a grandes mudanças em termos de práticas agrícolas e florestais. Além disso, algumas áreas de pasto ainda não tinham recuperado desde a seca do início dos anos 90 e estavam duras e despidas de vegetação, levando a água a correr mais rapidamente. A urbanização também leva a que mais áreas sejam construídas e pavimentadas, o que aumenta a rapidez da corrente das águas.

ESTE É O NONO ARTIGO DA REPORTAGEM:

MANHIÇA, TERRA DE TRAGÉDIA, TERRA DE ESPERANÇA (Parte I)

A CHEGADA DOS PORTUGUESES À ÁFRICA AUSTRAL (Parte II)

 O EPISÓDIO DO CÉLEBRE NAUFRÁGIO DE D. MANUEL DE SOUSA DE SEPÚLVEDA (Parte III)

MOÇAMBIQUE: A FORMAÇÃO DE UMA NAÇÃO AFRICANA (Parte IV)

O FATÍDICO 7 DE SETEMBRO DE 1974 EM MOÇAMBIQUE (Parte V)

OS ANOS DA GUERRA CIVIL DE MOÇAMBIQUE (Parte VI)

MOÇAMBIQUE: UM DOS PAÍSES MAIS POBRES DO MUNDO (Parte VII)

CHEIAS DE 2000 EM MOÇAMBIQUE: A TEMPESTADE DAS TORMENTAS (Parte VIII)

CONTINUAÇÃO DA REPORTAGEM NO PRÓXIMO ARTIGO:

COMO GAIA LEVOU VENTOS DE ESPERANÇA A MOÇAMBIQUE (Parte X)

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