O fatídico 7 de Setembro de 1974 em Moçambique

Após o 25 de Abril de 1974, a actividade diplomática dos novos líderes lusitanos lidou apenas com os representantes da FRELIMO, o que provocou violentas manifestações de hostilidade dos colonos que se sentiam parte do povo moçambicano e desencantados com a opção dos compatriotas, além de frequentes abusos e ameaças das tropas moçambicanas.

fora uma terra pacífica até ao princípio de 1960 e foi com consternação que quase meio milhão de portugueses assistiu ao eclodir da Guerra Colonial entre os dois países. Os laços de união entre os povos que habitavam na antiga colónia portuguesa eram fortes e estavam, desde há séculos, unidos pelo sangue. Ao processo de formação do Império Colonial Português estavam adjacentes motivos de ordem económica e política, aliados a uma certa curiosidade cultural e científica e a um intento de evangelização.

Neste contexto, nem sempre o respeito pela identidade dos indígenas prevaleceu nas relações com os portugueses, algo exemplificado na perfeição com o comércio de escravos que perdurou durante muito tempo. Em todo o caso, é imperativo reconhecer-se a coragem necessária do povo luso para enfrentar, nos finais do século XIV, os mares desconhecidos, um acto de coragem que permitiu aos descobridores, exploradores e colonos nacionais o privilégio de criarem alianças e fraternidades, transformando e deixando-se transformar por povos exóticos e diferentes.

É um facto indesmentível que o contacto com os povos locais ao longo dos séculos resultou num forte intercâmbio de produtos, costumes, técnicas e conhecimentos de todo o tipo, bem como uma ligação tão profunda como a miscegenação. Para melhor compreensão destas noções, devo ceder a palavra a Robert Ruark, norte-americano, que escreveu, no prefácio do livro The Fabric of Terror de Bernardo Teixeira, as seguintes frases:

“Deus sabe que os portugueses eram fortemente dominantes na ocupação dos territórios que colonizaram. Talvez não fossem tão cínicos como os americanos, no modo como estes trataram os índios, nem tão estupidamente arrogantes como os britânicos durante a sua administração do Raj. Os portugueses, pelo menos, casavam com as nativas e, na verdade, nunca mostraram qualquer discriminação racial para com os povos colonizados. Estive quatro vezes em e caminhei, conduzi e voei por todo o país. Sem dúvida que as instalações educacionais, de saúde e outras existentes nas cidades e vilas de Moçambique são superiores àquilo que tão desavergonhadamente louvamos na América. Não há qualquer problema de «integração» na África Portuguesa. Existiu sempre uma integração inter-racial e o mais humilde dos nativos do mato é um príncipe quando comparado com um exemplo típico dos guetos do Harlém.”

7 de setembro de 1974 e o Acordo de Lucasa

As primeiras negociações entre a FRELIMO e o Governo português tiveram lugar em Junho de 1974, com os portugueses a pedirem um cessar-fogo, prontamente recusado pelos guerrilheiros. De facto, eles prosseguiram com a guerra de guerrilhas até Setembro, resultando daí a desintegração do que restava da lei e ordem no país. A seguir, na , teve lugar uma série de encontros secretos entre a FRELIMO e os oficiais do golpe de Estado em Portugal, encontros que deram origem à assinatura do Acordo de Lusaca, no dia 7 de Setembro.

Esse acordo preparou caminho para a transferência rápida e incondicional do poder para a FRELIMO, a quem o Estado português cedeu perante todas as exigências, provocando a ira e o caos. Em 7 de Setembro de 1974 houve um levantamento da população branca em e na Beira. A emissora de rádio foi ocupada e começou a emitir mensagens para todo o país, incitando os brancos a revoltarem-se. Isto deu como resultado uma tremenda perda de vidas e o espectáculo do exército português a abrir fogo, de acordo com ordens recebidas de , para esmagar a revolta dos brancos. Foi um verdadeiro caos quando os disparos indiscriminados abateram centenas de pessoas, negras e brancas.

Sem garantias quanto aos bens, sem decisões a respeito de compensações, sem acordos financeiros ou comerciais para proteger e conservar capacidades técnicas, e à luz da completa abdicação unilateral de de todas as responsabilidades, o desespero acabou por se instalar e os brancos começaram a abandonar o país. Cerca de meio milhão de cidadãos nacionais regressaram a Portugal ou partiram rumo a países vizinhos, receosos da erupção de uma guerra civil.

Na maior parte dos casos, a partida aconteceu de uma forma precipitada, com milhares de pessoas, crianças e idosas, negras e brancas, a abandonarem o que tinham construído durante a vida, deixando para trás não só os valores materiais que possuíam mas também valores espirituais e laços sentimentais. Nas colónias, os portugueses tinham um papel de liderança nas actividades económicas e ocupavam praticamente todos os lugares da administração. A sua partida teve consequências negativas para os países africanos que, desprovidos de quadros técnicos, caíram num caos administrativo e social.

ESTE É O QUINTO ARTIGO DA REPORTAGEM:

MANHIÇA, TERRA DE TRAGÉDIA, TERRA DE ESPERANÇA (Parte I)

A CHEGADA DOS PORTUGUESES À ÁFRICA AUSTRAL (Parte II)

 O EPISÓDIO DO CÉLEBRE NAUFRÁGIO DE D. MANUEL DE SOUSA DE SEPÚLVEDA (Parte III)

MOÇAMBIQUE: A FORMAÇÃO DE UMA NAÇÃO AFRICANA (Parte IV)

CONTINUAÇÃO DA REPORTAGEM NO PRÓXIMO ARTIGO:

OS ANOS DA GUERRA CIVIL DE MOÇAMBIQUE (Parte VI)

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