“No One Mourns the Wicked!” É ao som deste tema inicial que a cortina sobe no espetáculo Wicked, no Gershwin Theatre, em pleno coração da Broadway! Assim que as luzes se acendem e as primeiras personagens entram em palco, trazendo ao público toda a excitação e magia do Mundo de Oz, sentimos rapidamente que regressamos aos cenários do famoso filme “O Feiticeiro de Oz”, de 1939… ou será que não?
Nem tudo é o que parece, especialmente num espetáculo como Wicked que, traduzido para português, significa algo como “Endiabrado” ou até mesmo “Amaldiçoado”.
Aqui, a heroína Dorothy com os seus sapatinhos vermelhos e companheiros de estrada não existe: está ainda muito longe de fazer a sua visita fatídica ao Mundo de Oz! Não, esta é uma história sobre a Bruxa Má do Oeste.
Quem é esta vilã que inferniza a vida de Dorothy e se torna tão obcecada pela criança dos sapatos vermelhos? Terá sido Wicked desde nascença ou terá sido o “mal” que se enraizou em si pelas experiências que o universo lhe pôs à frente?
É isso mesmo que o público é convidado a descobrir neste musical com mais de duas horas e meia de duração, que nos brinda com um repertório de músicas originais – algumas das quais já se tornam símbolos da cultura popular! – e que se unem, muito simplesmente, para trazer a magia dos efeitos visuais e luzes para o palco.
Antes de assistir ao espetáculo Wicked ou sequer de conhecer as suas músicas, cruzei-me com um livro, em 2000, assinado por Gregory Maguire, que continha exatamente esse título. Após ler algumas personagens, percebi rapidamente a premissa da história: E se a Bruxa Má do Oeste tivesse um passado que justificasse as suas ações? Entretanto, desconhecia por completo que o interesse por este livro tinha inspirado Stephen Schwartz e Winnie Holzman a criar uma adaptação para o palco!
A partir da obra original de Frank Baum, conhecida como Mágico de Oz no Brasil, Gregory Maguire dá logo um passo importante ao dar nome à Bruxa: Elphaba. Logo depois, retrata-a como uma rapariga normal, que nasceu em circunstâncias peculiares – e cujo lado paterna é, digamos, duvidável – e com uma característica especial: uma pele verde que não suporta o toque da água.
A dimensão desta personagem, e a forma como cresce na sombra de um mundo que a encara com preconceito pela cor da sua pele, refere diretamente temas como racismo e discriminação num mundo onde a fantasia domina. Não é um tema propriamente recorrente em obras deste género, o que torna toda a história mais especial.
O musical constrói a rivalidade que sempre existiu entre Elphaba, a Bruxa Má e Glinda, a Bruxa Boa. Em palco, vemos o dia em que ambas foram para a escola de magia de Shiz, e começaram aí a competir por demonstrações de talento, acabando mais tarde por se tornar companheiras de quarto e forjar uma amizade. As músicas “Dear Old Shiz”, “What is this feeling?” e “Popular” retratam bem a relação entre as duas, assim como os pontos que as unem e separam.
O culminar desta relação é demonstrado em “Defying Gravity”, que é considerado um verdadeiro hino de coragem, libertação e motivação, seja em que circunstâncias forem: um verdadeiro desafio para acreditar no instinto para tentar desafiar a gravidade.
Um dueto que demonstra também a fragilidade da relação das personagens, surgindo no contexto de uma discussão entre as duas personagens e resultando numa concordância mútua de que está na hora de seguir caminhos separados.
No entanto, é interessante perceber os motivos que separam as duas personagens mais à frente na história e que as distinguem entre “más” e “boas”. Para nós, que estamos no lugar do público, conseguimos perceber os lados de ambas as personagens e simpatizar com ambas, ainda que especialmente com Elphaba.
Trata-se tudo de uma questão de direitos humanos, ainda que aqui estejam camuflados em direitos dos “animais falantes”. O Grande Feiticeiro de Oz, que age como um ditador e é considerado trapaceiro, tem ideias algo controversas sobre o rumo que Oz deve tomar.
Para além da evidente relação de Elphaba e Glinda, o musical conta com um leque de outras personagens interessantes que tornam a história mais fascinante ainda: como Fyero, o homem por quem Elphaba se apaixona e que se torna aliado dela na batalha contra o Feiticeiro; ou até mesmo a frágil Nessarose na sua cadeira de rodas, a irmã de Glinda e que se assume, mais tarde, como a Bruxa Má do Este; E ainda Boq, um amigo de Elphaba que tem uma paixoneta por Glinda.
Com muitas reviravoltas que expressam tão bem a animação do Mundo de Oz, sucedidas por momentos emocionantes capazes de deixar o público com lágrimas nos olhos, o musical Wicked consegue redimir uma das vilãs mais controversas da cultura popular. Entre as minhas músicas favoritas do espetáculo destaco, claramente, as mencionadas anteriormente, assim como “No Good Deed”, “For Good” e “Dancing Through Life”.
Mais do que a história, este é um musical que continua a merecer aplausos quando considerada toda a produção envolvida. O que assistimos na plateia do Gershwin Theatre é um verdadeiro espetáculo de magia, tal é o uso dado aos efeitos de luzes, cenários e atores. É por isso mesmo que a adaptação musical, que estreou na Broadway em outubro de 2003, continua a receber reviews muito positivas.
Mesmo que o elenco original, composto por Idina Menzel, como Elphaba e Kristin Chenoweth, como Glinda, já não faça parte da produção, Wicked continua a fazer magia com um elenco mais jovem: Jenniffer Nettles e Annaleigh Ashford.
Tal como começou, o espetáculo termina de novo ao som de No One Mourns The Wicked, à medida que as cortinas caem e o público se levanta para aplaudir todo o elenco em pé.
Dado o sucesso do musical Wicked, o espetáculo já passou por palcos em diferentes cantos do mundo, nomeadamente em West End (Londres), Irlanda e tours pela América do Norte, Austrália e até mesmo Brasil. Ainda assim, o palco do Gershwin Theatre, que recebeu o espetáculo pela primeira vez, continua a mantê-lo em cena e a ser milhares de visitas todos os anos.